Bem vindo ao nosso espaço de reflexão!

... existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, e exige dele novo pronunciamento. (...) Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão. (FREIRE, 1979, p. 92)

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Sobre Ensino Multisseriado


De acordo com nossas pesquisas e observações apresentamos alguns pontos que já são desenvolvidos ou que podem estar sendo desenvolvidos pelos educadores do ensino multisseriado para que se possa alcançar um melhor rendimento.
- Trazer o saber da vida para a sala de aula, valorizando o que o aluno já sabe e aproveitando ao máximo;
- Propor sempre trabalho coletivo, pois o fator socialização é um ponto forte dentro deste ensino;
- Convidar os alunos a serem monitores, principalmente daqueles que têm mais dificuldades;
- Trabalhar ao mesmo tempo as semelhanças e diferenças nas classes e nos programas;
- Reorganizar a programação, criando um único programa por disciplina;
- Planejar para uma classe, não levando em conta as séries, mas os diferentes níveis de capacitação dos alunos.

RETIRADO DO ARTIGO: A CONSOLIDAÇÃO DA APRENDIZAGEM NOS MODELOS MULTISSERIADOS DE ENSINO 
AUTORES: Marcondes de Lima Nicácio - Maria Joana Manaitá Pinheiro - Maristela Rosso Walker - Teresa Kazuko Teruya
IN: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario8/_files/LNE4Sg2n.pdf

CAMPO BRASILEIRO

Para pensar o campo brasileiro com sua diversidade é necessário retomar historicamente os fatos e compreender como ao longo dos anos a relação com o campo foi se instituindo. Com isso é necessário perceber qual educação está sendo oferecida no meio rural e qual a concepção de educação está presente nessa oferta.

De modo geral a educação sempre apresentou diversos problemas como: alta evasão escolar, baixa escolarização, alto índice de repetência, entre outros. Entretanto, esses problemas são muito mais graves no meio rural.
Diante disso, tem-se lançado mão de políticas compensatórias e programas emergenciais com o objetivo de aliviar essa diferença. O modelo implantado no campo foi tão excludente que marca até hoje a ação das elites brasileiras. Buscando dados mais recentes na história do Brasil, pode-se citar o regime militar e sua política agrária, que incentivou a concentração da propriedade da terra através de incentivos financeiros, beneficiando as grandes empresas de insumos e de produtos agrícolas. Essa política teve também como objetivo principal impedir a organização dos trabalhadores(as) do campo, e, dessa forma, qualquer resistência organizada a essa política concentradora e excludente.

Para essa elite do Brasil agrário, as mulheres, indígenas, negros(as) trabalhadores(as) rurais não precisavam de escolarização, afinal para desenvolver o trabalho agrícola não precisavam aprender a ler e escrever.
A partir de 2003, as discussões do campo são retomadas, inicia-se então uma grande mobilização para construir uma agenda específica para a educação do campo. Em 2004 o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), criou a Coordenação-Geral de Educação do Campo (CGEC), com o objetivo de elaborar políticas públicas específicas aos povos do campo. Em 2007, o Ministério da Educação por meio da Portaria Nº 1.258/07 institui a Comissão Nacional de Educação do Campo, órgão colegiado de caráter consultivo com a atribuição de assessorar o MEC para a elaboração de políticas públicas em educação do campo. Em Santa Catarina, a partir de 2004, com a realização do Iº. Seminário Estadual da Educação do Campo, em Florianópolis, foi instituído o Comitê Executivo da Educação do Campo, com a participação de representantes das esferas municipais, estaduais, federais e movimentos sociais. A iniciativa mobilizou a sociedade civil e instancias governamentais para uma reflexão considerando a importância dos movimentos sociais e sindicais do campo. Nesta perspectiva considera-se importante aglutinar mais pessoas e entidades comprometidas com a melhoria da qualidade de vida do campo, para fortalecer e garantir políticas públicas que venham atender as necessidades do campo.
A partir desse processo de articulação percebe-se a materialização das discussões provocando reflexões nos espaços governamentais, garantindo parcerias com o governo federal para o atendimento de jovens e adultos que estiveram fora do ensino regular de ensino. Nesse período criou-se o Comitê Estadual de Educação do Campo, representado pela sociedade civil, movimentos sociais e órgãos governamentais.
Firmando essa necessidade de aglutinar sociedade civil, movimentos sociais e órgãos governamentais, o Instituto de Educação do Campo (EDUCAMPO/UFSC), em 2008, tem como iniciativa marcar uma reunião com as entidades que faziam parte do Comitê. A partir do encontro decidiu-se coletivamente pela formação do Fórum Catarinense de Educação do Campo.
Para pensar o campo brasileiro com sua diversidade é necessário retomar historicamente os fatos e compreender como ao longo dos anos a relação com o campo foi se instituindo. Com isso é necessário perceber qual educação está sendo oferecida no meio rural e qual a concepção de educação está presente nessa oferta.

De modo geral a educação sempre apresentou diversos problemas como: alta evasão escolar, baixa escolarização, alto índice de repetência, entre outros. Entretanto, esses problemas são muito mais graves no meio rural.
Diante disso, tem-se lançado mão de políticas compensatórias e programas emergenciais com o objetivo de aliviar essa diferença. O modelo implantado no campo foi tão excludente que marca até hoje a ação das elites brasileiras. Buscando dados mais recentes na história do Brasil, pode-se citar o regime militar e sua política agrária, que incentivou a concentração da propriedade da terra através de incentivos financeiros, beneficiando as grandes empresas de insumos e de produtos agrícolas. Essa política teve também como objetivo principal impedir a organização dos trabalhadores(as) do campo, e, dessa forma, qualquer resistência organizada a essa política concentradora e excludente.

Para essa elite do Brasil agrário, as mulheres, indígenas, negros(as) trabalhadores(as) rurais não precisavam de escolarização, afinal para desenvolver o trabalho agrícola não precisavam aprender a ler e escrever.
A partir de 2003, as discussões do campo são retomadas, inicia-se então uma grande mobilização para construir uma agenda específica para a educação do campo. Em 2004 o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), criou a Coordenação-Geral de Educação do Campo (CGEC), com o objetivo de elaborar políticas públicas específicas aos povos do campo. Em 2007, o Ministério da Educação por meio da Portaria Nº 1.258/07 institui a Comissão Nacional de Educação do Campo, órgão colegiado de caráter consultivo com a atribuição de assessorar o MEC para a elaboração de políticas públicas em educação do campo. Em Santa Catarina, a partir de 2004, com a realização do Iº. Seminário Estadual da Educação do Campo, em Florianópolis, foi instituído o Comitê Executivo da Educação do Campo, com a participação de representantes das esferas municipais, estaduais, federais e movimentos sociais. A iniciativa mobilizou a sociedade civil e instancias governamentais para uma reflexão considerando a importância dos movimentos sociais e sindicais do campo. Nesta perspectiva considera-se importante aglutinar mais pessoas e entidades comprometidas com a melhoria da qualidade de vida do campo, para fortalecer e garantir políticas públicas que venham atender as necessidades do campo.
A partir desse processo de articulação percebe-se a materialização das discussões provocando reflexões nos espaços governamentais, garantindo parcerias com o governo federal para o atendimento de jovens e adultos que estiveram fora do ensino regular de ensino. Nesse período criou-se o Comitê Estadual de Educação do Campo, representado pela sociedade civil, movimentos sociais e órgãos governamentais.
Firmando essa necessidade de aglutinar sociedade civil, movimentos sociais e órgãos governamentais, o Instituto de Educação do Campo (EDUCAMPO/UFSC), em 2008, tem como iniciativa marcar uma reunião com as entidades que faziam parte do Comitê. A partir do encontro decidiu-se coletivamente pela formação do Fórum Catarinense de Educação do Campo.

Para pensar o campo brasileiro com sua diversidade é necessário retomar historicamente os fatos e compreender como ao longo dos anos a relação com o campo foi se instituindo. Com isso é necessário perceber qual educação está sendo oferecida no meio rural e qual a concepção de educação está presente nessa oferta.

De modo geral a educação sempre apresentou diversos problemas como: alta evasão escolar, baixa escolarização, alto índice de repetência, entre outros. Entretanto, esses problemas são muito mais graves no meio rural.
Diante disso, tem-se lançado mão de políticas compensatórias e programas emergenciais com o objetivo de aliviar essa diferença. O modelo implantado no campo foi tão excludente que marca até hoje a ação das elites brasileiras. Buscando dados mais recentes na história do Brasil, pode-se citar o regime militar e sua política agrária, que incentivou a concentração da propriedade da terra através de incentivos financeiros, beneficiando as grandes empresas de insumos e de produtos agrícolas. Essa política teve também como objetivo principal impedir a organização dos trabalhadores(as) do campo, e, dessa forma, qualquer resistência organizada a essa política concentradora e excludente.

Para essa elite do Brasil agrário, as mulheres, indígenas, negros(as) trabalhadores(as) rurais não precisavam de escolarização, afinal para desenvolver o trabalho agrícola não precisavam aprender a ler e escrever.
A partir de 2003, as discussões do campo são retomadas, inicia-se então uma grande mobilização para construir uma agenda específica para a educação do campo. Em 2004 o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), criou a Coordenação-Geral de Educação do Campo (CGEC), com o objetivo de elaborar políticas públicas específicas aos povos do campo. Em 2007, o Ministério da Educação por meio da Portaria Nº 1.258/07 institui a Comissão Nacional de Educação do Campo, órgão colegiado de caráter consultivo com a atribuição de assessorar o MEC para a elaboração de políticas públicas em educação do campo.
Em Santa Catarina, a partir de 2004, com a realização do Iº. Seminário Estadual da Educação do Campo, em Florianópolis, foi instituído o Comitê Executivo da Educação do Campo, com a participação de representantes das esferas municipais, estaduais, federais e movimentos sociais. A iniciativa mobilizou a sociedade civil e instancias governamentais para uma reflexão considerando a importância dos movimentos sociais e sindicais do campo. Nesta perspectiva considera-se importante aglutinar mais pessoas e entidades comprometidas com a melhoria da qualidade de vida do campo, para fortalecer e garantir políticas públicas que venham atender as necessidades do campo.
A partir desse processo de articulação percebe-se a materialização das discussões provocando reflexões nos espaços governamentais, garantindo parcerias com o governo federal para o atendimento de jovens e adultos que estiveram fora do ensino regular de ensino. Nesse período criou-se o Comitê Estadual de Educação do Campo, representado pela sociedade civil, movimentos sociais e órgãos governamentais.
Firmando essa necessidade de aglutinar sociedade civil, movimentos sociais e órgãos governamentais, o Instituto de Educação do Campo (EDUCAMPO/UFSC), em 2008, tem como iniciativa marcar uma reunião com as entidades que faziam parte do Comitê. A partir do encontro decidiu-se coletivamente pela formação do Fórum Catarinense de Educação do Campo.



http://www.sed.sc.gov.br/educadores/educacao-do-campo/477-apresentacao

Ensino da Matemática nas Escolas do Campo: por uma práxis pedagógica dialógica

RESUMO: Apresento neste artigo um ponto de vista que defende a práxis pedagógica dialógica como caminho para o ensino da matemática nas escolas do campo, em conformidade com as diretrizes operacionais para a educação básica nas escolas do campo - instituída pela Resolução CNE/CEB 1, de 3 de abril de 2002. Tal ponto baseia-se no conceito de razão comunicativa proposto por Jürgem Habermas e de Educação Matemática Crítica.

PALAVRAS-CHAVE: paradigma da relação comunicativa; educação do campo; ensino da matemática.

1 INTRODUÇÃO
Ensinar matemática para muitos professores ainda se expressa dentro de uma lógica cartesiano-newtoniana. Atualmente, se tem consciência de que “o pensamento cartesiano-newtoniano não consegue trazer uma perspectiva valiosa para a cognição e o ensino, como também falha no seu reducionismo em considerar o contexto” (KINCHELOE,1997,p.167). Esses professores continuam seguindo o paradigma do exercício, o qual descarta a reflexão, argumentação, a construção. Nesse tipo de ensino “o conhecimento é dado, não criado”. (ibidem, p.214). Mas esse é um modelo obsoleto na contemporaneidade. O momento atual pede pessoas ativas, criativas, sensíveis; pessoas que sejam preparadas para os desafios de uma sociedade “multimídia e globalizada”, pessoas que dêem sugestões para melhorar a condição sócio-ambiental do mundo.
Pensar a matemática como ferramenta para a emancipação individual/social dos campesinos e campesinas é levar em consideração suas “complexas condições físicas, históricas e motivacionais”. Acredita-se que esta matemática que historicamente contribuiu para a ascensão do capitalismo, sendo geralmente usada para favorecer aos interesses de poucos, daqueles que detém o “poder”; estereotipada como “européia”, “branca”; que esta mesma matemática usada a serviço de grandes guerras seja usada para promoção da paz, para consciência da necessidade de justiça, dos desafios da sustentabilidade. Diante disso, entendo que o paradigma da relação sujeito-objeto deve ceder lugar para o da relação comunicativa no processo de ensino da matemática.
A tessitura deste artigo se efetiva em três momentos. No primeiro momento procuro esclarecer o conceito de paradigma da relação comunicativa. Entende-se que à luz do paradigma sujeito-objeto a educação não consegue expressar os sentidos que movem o mundo da vida, reflete apenas os significados que surgem da apropriação do objeto pelo sujeito cognoscente. Pensar, entretanto, a educação sob as lentes do paradigma da relação comunicativa é priorizar a intersubjetividade, a relação entre sujeitos. A escola passa a ser “espaço público onde são apropriadas as conquistas sócio-culturais da humanidade de modo crítico e criativo a fim de contribuir para formação de uma visão global e concreta da realidade”.
Em seguida a discussão se efetiva entrelaçando dialeticamente o conceito de paradigma da relação comunicativa ao de Educação do Campo. Diante dos desafios da Educação do Campo o paradigma da relação comunicativa trata-se de um relevante pressuposto para a práxis pedagógica, a qual deve eleger como elemento central o diálogo. Logo podemos considerá-la como práxis pedagógica dialógica. Parafraseando Habermas (1987a; V.II), professores e alunos entram em entendimento a partir de seu mundo vivido comum sobre algo no mundo objetivo, social ou subjetivo.
E, por fim, assumo a empreitada de mostrar possíveis contribuições do paradigma da relação comunicativa para a efetivação da práxis pedagógica dialógica no Ensino da Matemática comprometido com a emancipação individual e social de campesinos e campesinas. Coloco em evidência nesse momento que a Etnomatemática trata-se de um referencial significativo para a construção de uma práxis pedagógica que, ao mesmo tempo em que se faz dialógica, abre a possibilidade de inserção da diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia.
2 Conceito de Paradigma da Relação Comunicativa
Para uma maior compreensão do conceito de “paradigma da relação comunicativa” antes é interessante apresentarmos uma discussão acerca do de “sujeito-objeto”, o que implica em refletir sobre “uma prática científica que volta constantemente as costas à vida e ao que é vivenciado” (MACEDO)
A atualidade é herdeira de um mundo que se organizou balizado pelo ideal fragmentário, reducionista, hierarquizante e generalizador, imposto/concretizado pelo paradigma da relação sujeito-objeto, o qual é regido pela ótica do pensamento cartesiano, pela filosofia da consciência. A ciência positivista sustenta-se ao passo que legitima essa forma de conceber o mundo. “Ao arquitetar o primado do objeto, o positivismo imaginou uma realidade humana complicada em vez de complexa, e, assim, cegou-se face à complexidade ontológica da realidade dos homens.”
No paradigma da comunicação proposto por Habermas o sujeito cognoscente não é mais definido exclusivamente como sendo aquele que se relaciona com objetos para conhecê-los ou para agir através deles e dominá-los. Mas como aquele que, durante seu processo de desenvolvimento histórico, é obrigado a entender-se junto com outros sujeitos sobre o que pode significar o fato de “conhecer objetos” ou “agir através de objetos”, ou ainda dominar objetos ou coisas. (SIEBENEICHLER, 1994, p.62)
Estamos diante de um assumir a complexidade ontológica da realidade dos homens. Todavia são inúmeras as dificuldades de se relacionar com essa realidade. Na escola isso implica em descortinar a clássica idéia de que a essa cabe o exclusivo papel de difusão do saber científico, de compreender que o conhecimento trata-se de uma “conseqüência da subjetividade socializada do ser”.
Ao pensar no conhecimento como sendo uma conseqüência da subjetividade socializada do ser, isto é, da tomada de consciência do conhecido, já questiona-se a relação sujeito-objeto. Fundamental é o fato de que sempre que o ser esta empenhado em conhecer, precisa, antes, situar-se numa relação significante com o objeto que lida; aqui está a entrada complexa no mundo das implicações, realidade ofuscada pelos ideários iluministas, cegos diante do fato de que em toda construção humana há uma política de sentido. (MACEDO)
Nesse terreno epistemológico excluiu-se toda a forma de “sabores e saberes inerentes à vida (MACEDO, p.39). Enquanto a teoria clássica do conhecimento acredita que há uma relação sujeito-objeto a ser esclarecida, a teoria habermasiana acredita que a questão fundamental é esclarecer as relações comunicativas entre os sujeitos, mediante as quais eles se entendem sobre os objetos.
Se por um lado já é uma realidade o conhecimento teórico dessa consciência dessa complexidade; por outro, quando se trata da prática ainda há muita dificuldade, pois
A epistemologia positivista baseia-se em três dicotomias. Dada a separação entre meios e fins, a solução instrumental de problemas pode ser vista como um problema técnico a ser medido por sua eficácia em atingir um objetivo pré-estabelecido. Dada a separação entre pesquisa e prática, a prática rigorosa pode ser vista como a aplicação de problemas instrumentais das teorias e técnicas baseadas na pesquisa, cuja objetividade e generalidade derivam do método do experimento controlado. Dada a separação do fazer e do conhecer, a ação é apenas uma implementação e um teste de decisão técnica.(SHÖN, 2000, p.?)

O conceito “razão comunicativa” ou “racionalidade comunicativa” pode ser tomado como sinônimo de “agir comunicativo”, o qual constitui “uma interação mediada simbolicamente, orientada através de normas que valem obrigatoriamente, que definem expectativas recíprocas de comportamento e que têm de ser compreendidas e aceitas por pelo menos dois sujeitos” (HABERMAS in SIEBENEICHLER, 1989, p.74). A validade dessas normas fundamenta-se exclusivamente na intersubjetividade do entendimento que se estabelece acerca de intenções.
Enquanto a razão centrada no sujeito encontra suas medidas em critérios de verdade do conhecimento de objetos e de sucesso no domínio sobre coisas, a razão centrada na comunicação busca suas medidas críticas em procedimentos argumentativos que procuram resgatar três tipos de pretensões de validade: de verdade proposicional, de correção normativa, de autenticidade subjetiva.
O paradigma da relação comunicativa se serve de “uma lógica pragmática da argumentação, a qual se expressa através de uma compreensão descentralizada do mundo. Ele inclui, além do elemento cognitivo e instrumental também o elemento prático, moral, emancipatório e estético”.
A razão comunicativa contrapõe-se ao conceito de razão positivista, uma vez que abrange também o contexto vital no qual está inserida, isto é, os momentos de espontaneidade, de esperança, de sensibilidade contra o sofrimento e a opressão, do afeto para com a maioridade, da vontade de emancipação, da felicidade pelo encontro da identidade.
Acredito que nenhum outro conceito de razão se coloque melhor frente à possibilidade de contribuir com a mudança da realidade da sociedade contemporânea. Digo isso pois a crise atual é caracterizada pelo isolamento dos indivíduos. Cada vez mais as pessoas constroem muros, põem grades, cercas elétricas; buscam formas de se protegerem em relação ao outro. Uma sociedade marcada pela desesperança, desafeto, injustiça. Essa sociedade aprendeu a tolerar a violência, a opressão, a injustiça. Colhemos na contemporaneidade os frutos da separação entre razão e decisão existencial. Aposto, tal como Habermas, na reflexão como força esclarecedora, capaz de (re)constituir o nexo com o nível de desenvolvimento histórico dos sujeitos cognoscentes.
Eu procuro reconstruir historicamente a pré-história do positivismo mais recente, de acordo com uma intenção sistemática, analisando o nexo entre conhecimento e interesse. Quem procura refazer o caminho seguido pelo processo de dissolução da teoria do conhecimento, a qual deixa em seu lugar uma teoria da ciência, anda sobre degraus de uma reflexão abandonada. Se andarmos novamente por este caminho, numa perspectiva voltada para o seu começo, poderemos contribuir para a re-descoberta da experiência da reflexão que foi abandonada. O positivismo consiste exatamente no fato de negarmos a reflexão. (HABERMAS apud SIEBENEICHLER, p.83)

Estou certa de que a relação conhecimento e interesse deve ser o ponto de partida da proposta de Educação Formal. Por que Conhecer os conhecimentos que a Escola define como necessários? Esse nexo certamente só poderá se constituir por meio da reflexão. Daí entendo que a educação do campo ao se pensar/fazer fruto da reflexão pode num permanente dialogo com os campesinos e campesinas experienciar os desígnios de uma matriz pedagógica em conformidade com as diretrizes operacionais para a educação básica nas escolas do campo.

3 Paradigma da Relação Comunicativa X Educação Do Campo
Na década de 90 o Brasil viveu a força do movimento social em torno da dignificação da educação do campo, batizada antes então por Educação Rural ainda nos moldes da C.F./88. A partir desse movimento, que se insere no contexto da clássica luta da Educação Popular, o Brasil comemora a criação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo instituída pela Resolução CNE/CEB 1, de 3 de abril de 2002, onde se lê no art. 5º que “as propostas pedagógicas das escolas do campo (...) contemplarão a diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia”.
Cabe ressaltar um marco bastante significativo desse movimento, a I Conferência Nacional por Uma Educação Básica do Campo realizada em 1998 – “momento de batismo coletivo de um novo jeito de lutar e de pensar a educação para o povo brasileiro que trabalha e vive no e do campo” (CALDART). Nessa Conferência “reafirmamos que o campo é espaço de vida digna e que é legítima a luta por políticas públicas específicas, e por um projeto educativo próprio para seus sujeitos”. (Idem, ibidem).
Em 2002 como resultado dessa luta foi instituída pela Resolução CNE/CEB 1, de 3 de abril as “Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo”. O desafio agora é
Pensar a Educação do Campo como processo de construção de um projeto de educação dos trabalhadores e das trabalhadoras do campo, gestado desde o ponto de vista dos camponeses e das trajetórias de luta de suas organizações. Isto quer dizer que se trata de pensar a educação (política e pedagógica) desde os interesses sociais, políticos, culturais (idem, ibidem)
Uma educação pensada “desde os interesses sociais, políticos e culturais” encontra ressonância em Apple,
Em sociedades complexas como a nossa, marcadas por uma distribuição desigual de poder, o único tipo de coesão possível é aquele em que reconhecemos abertamente diferenças e desigualdades. O currículo, dessa forma, não deve ser apresentado como “objetivo”. Deve, ao contrário, subjetivar-se constantemente, ou seja, deve reconhecer as próprias raízes na cultura, na história e nos interesses sociais que lhe deram origem. Consequentemente, ele não homogeneizará essa cultura, essa história e esses interesses sociais. (APPLE, 1995, p.76-77 apud MACEDO, 2007, p.50)

E é a partir do reconhecimento das próprias raízes na cultura, na história e nos interesses sociais dos campesinos e das campesinas que deve ser construída a proposta de educação para homens e mulheres, meninos e meninas do campo. Proposta que acolha a diversidade do campo em todos os seus aspectos: sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia (Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo). Bem, se, portanto, queremos um ensino da matemática nas escolas do campo que contemple a diversidade do campo esse é um bom caminho.
“As convicções intersubjetivamente compartilhadas constituem um potencial de razões que vinculam os sujeitos em termos de reciprocidade” (BOUFLEUER, ..., p.26). Aos professores do campo está posta, na contemporaneidade, a tarefa de um permanente diálogo com as especificidades desses sujeitos, contemplando-os em “todos os seus aspectos: sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia”(diretrizes operacionais). Para tanto, nota-se que o paradigma sujeito-objeto é obsoleto e que o paradigma da comunicação pode “dar conta das múltiplas dimensões que fazem parte dos processos educativos”, uma vez que agrega “além do elemento cognitivo-instrumental elementos prático-moral e estético-expressivo”.(HABERMAS apud BOUFLEUER, p. 33).
Uma pedagogia que se inspira no paradigma da comunicação se apresenta como práxis emancipatória, humanamente libertadora, pois implica o reconhecimento de cada sujeito como um “outro”, distinto e livre, possuídos de seu próprio horizonte de sentido. Na comunicação solidária o outro aparece em sua dignidade própria, como alguém que não pode ser reduzido a aspecto ou momento de um sistema qualquer. (BOUFLEUER, 1991, p.110)
Isso que nos diz Boufleuer encontra ressonância neste trecho dos escritos de Freire:
(...) Simplesmente, não posso pensar pelos outros nem para os outros, nem sem os outros. A investigação do pensar do povo não pode ser feita sem o povo, mas com ele, como sujeito de seu pensar. E se seu pensar, na ação, é mágico ou ingênuo, será pensando o seu pensar que ele mesmo se superará. E a superação não se faz no ato de consumir idéias, mas no de produzi-las e de transformá-la na ação e na comunicação. (FREIRE, 1987, p. 101)
E, em se tratando de dignidade, D’Ambrósio nos alerta para o fato de que
A estratégia mais promissora para a educação, nas sociedades que estão em transição de subordinação para a autonomia, é restaurar a dignidade de seus indivíduos, reconhecendo e respeitando suas raízes. Reconhecer e respeitar as raízes de um indivíduo não significa ignorar e rejeitar as raízes do outro, mas, num processo de síntese, reforçar suas próprias raízes. (D’AMBRÓSIO, 2005, p.42)
São vários os desafios dos processos educativos das escolas do campo. Um deles refere-se ao de “superar a prática de pensar projetos de educação, descontextualizados do sentido e da história dos povos do campo, pois este tem sido um vício bastante comum ao longo da história da educação”, como nos aponta Rocha, Passos e Carvalho. Superar essa velha prática implica em ter outras referências paradigmáticas. E esse é o presente movimento em torno dos discursos que perfazem a relação “educação e contemporaneidade”.
Diante desses desafios que se colocam à Educação do Campo é salutar convidar a interação de tipo comunicativo, onde acontece “o estabelecimento de um acordo racionalmente motivado entre alter e ego”(HABERMAS apud BOUFLEUER, p.25). Digo isso considerando que uma das funções da escola é a de divulgar os saberes produzidos/legitimados historicamente, e junto a isso compreendendo que a escola deve não só valorizar os saberes produzidos no nicho cultural dos campesinos e campesinas, tê-los sempre como ponto de partida para a aprendizagem dos saberes outros.

4 Contribuições do Paradigma Relação Comunicativa para a efetivação da Práxis Pedagógica Dialógica no Ensino da Matemática
Para um maior esclarecimento sobre o que se destina este tópico tomo emprestado de Skovsmose a discussão em investigação. Realizar uma Investigação, portanto, “significa abandonar a comodidade da certeza [imposta pelo paradigma da relação sujeito-objeto, o que no ensino da matemática se reflete no paradigma do exercício] e “deixar-se levar pela curiosidade”. Skovsmose enfatiza que “um diálogo é uma conversação de investigação” (2008, p.123). Um diálogo tem por base o princípio da igualdade. Em um diálogo, não há demonstrações de força e ninguém está querendo vencer”. (BOHM, 1996 apud SKOVSMOSE e ALRO, p.131). Igualdade aqui entendida não como negação da diversidade e diferenças, mas implica em um “saber lidar com a diversidade e as diferenças”.
É sabido que o Ensino da Matemática durante muito tempo negou o mundo da vida dos sujeitos da práxis pedagógica. Aos professores cabia a transferência dos conteúdos matemáticos e aos alunos, a recepção desses. O que não era exclusividade do ensino da matemática, já que era um modelo (considerado por Freire como educação bancária) que se aplicava a toda dimensão do ensino. Entretanto, com a matemática isso era ainda mais grave uma vez que esta era(é) considerada como ciência pura, portanto distante da realidade, visão herdada do platonismo, segundo o qual
Os objetos matemáticos são reais. Sua existência é fato objetivo, totalmente independente de nosso conhecimento sobre eles. Esses objetos não são, naturalmente, físicos ou materiais. Existem fora do espaço e do tempo da experiência física. São imutáveis – não foram criados nem mudarão ou desaparecerão. (PIRES, 2000, p.62)
Além das influências do platonismo, há também e talvez até de forma mais acentuada, influências do formalismo, que é contrária ao platonismo,
Já para o formalismo, não há objetos matemáticos. A Matemática consiste de axiomas, definições e teoremas. Em outras palavras, fórmulas. Em uma visão extrema, existem regras por meio das quais se deduz uma fórmula da outra, mas as fórmulas não se referem a coisa alguma: são apenas cadeias de símbolos. (idem, ibidem)
O ensino da matemática no cenário escolar ainda sofre das influências de tais visões. A matemática é, pois, transmitida sob a égide de que essa trata-se de uma ciência que não é passível de ser produzida, mas descoberta; Sua transmissão geralmente se dá por meio do paradigma do exercício. Para muitos simboliza um fazer terrorista. O paradigma do Exercício exclui o diálogo, impondo a sequência de passos na efetivação de uma aula de matemática: explicação por meio de exemplo – exercícios – correção dos exercícios (o professor diz o que é certo e o aluno corrige, apagando os erros [quando acontecem] e substituindo suas respostas por aquelas apresentadas pelo professor). Algo do tipo, “siga-me” presta-se exatamente para tais circunstâncias. Seu padrão dominante é a demonstração e a imitação, sua mensagem é “faça como eu estou fazendo”, quer seja comunicada explicitamente, (...) ou implicitamente, (SHÖN, 2000, 161).
Diante da ciência disso e num contexto onde pensar a educação é condição sine qua non para o futuro da humanidade, melhor dizendo, para a continuação da vida na Terra, assistimos a uma crescente (pre)ocupação em relação à mudanças do ensino da matemática. Várias tendências surgem no cenário da Educação Matemática, a exemplo de Investigações Matemáticas em Sala de aula (Brocardo, Oliveira e Ponte), Diálogo e Aprendizagem em Educação Matemática (Alro e Skovsmose), Etnomatemática (D’Ambrósio), Modelagem Matemática (Jonei Barbosa), dentre outras. Nesse cenário nos chama a atenção o enfoque cultural, a finalmente inserção da cultura na dinâmica educacional, e colado a isso a discussão em torno da ruptura do paradigma sujeito-objeto e sua substituição pelo paradigma da relação comunicativa. E é mediado por esse último paradigma que a educação matemática vem ampliando a discussão em torno da importância do diálogo no processo de ensino/aprendizagem.
Ensino e aprendizagem dialógicos são importantes para a prática de sala de aula que apóia uma educação matemática para a democracia. Consideramos, que as qualidades da comunicação, associadas ao diálogo, constituem uma fonte de aprendizagem com certas qualidades, a que nós nos referimos com aprendizagem crítica da matemática. (ALRO E SKOVSMOSE, 2006, p. 142)
Por que e para que aprender matemática? Se ao se perguntar isso o ser não consegue uma resposta, certamente, não há aí uma relação significante com o objeto que se está “buscando” aprender. Para muitos essa ausência de compreensão representou (e/ou ainda representa) uma agressão. A segregação imposta pelos fundamentos do positivismo varreu da práxis pedagógica toda e qualquer possibilidade de acolher as subjetividades.
“Abandonar a condição da certeza” é condição indispensável para a construção de uma práxis pedagógica dialógica no Ensino da Matemática. Certamente, a primeira dificuldade refere-se à própria postura assumida pelos alunos e professores frente ao aprender e ao ensinar matemática. Não se trata de negar simplesmente a postura dos alunos e professores “em nome do novo por um festejo desvairado e irresponsável da novidade, pois isso não condiz com a dialógica”. (MACEDO, 2000, p. 40). Entretanto,
Pode-se pensar na própria “postura” como um tipo de competência, já que ela envolve não só atitudes e sentimentos, mas também maneiras de perceber e compreender. No mínimo, deveríamos reconhecer a postura, nesse sentido, como uma condição para a aquisição da competência: querer tentar fazer algo é uma condição para adquirir a habilidade de fazê-lo. (SHÖN, 2000, p. 99)
Sob a compreensão de que os parceiros, neste caso, professores e alunos, numa relação dialógica sejam iguais surge outra postura desses interlocutores.
Através do diálogo, o professor-dos-estudantes e os estudantes-do-professor se desfazem e um novo termo emerge; professor-estudante com estudantes-professores. O professor não é mais meramente o-que-ensina, mas alguém a quem também se ensina no diálogo com os estudantes, os quais, por sua vez, enquanto estão ensinando, também aprendem. Eles se tornam conjuntamente responsáveis por um processo no qual todos crescem. (FREIRE, 1972a, p.53)
É justamente essa postura que pode sustentar o diálogo entre os interlocutores que buscam refletir sobre os aspectos “sociais, culturais, políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia” na busca de uma educação comprometida com a emancipação individual e social. A Educação Matemática Crítica assume essas idéias relativas ao diálogo e à relação estudante-professor e professor-estudante, pois entende que “a educação deve fazer parte de um processo de democratização” (SKOVSMOSE, 2001, p.18).
Um ensino da matemática, portanto, que se pretende fazer por meio da práxis dialógica apóia-se na idéia de que a “educação matemática deve ser organizada para apoiar ideais democráticos”, portanto, “a aprendizagem deve apoiar o desenvolvimento da cidadania”. (SKOVSMOSE, p.142). Enfim, ensino e aprendizagem dialógicos são importantes para a prática da sala de aula que apóia uma educação matemática para a democracia (idem, ibidem).
O ensino da matemática nas escolas do campo, em consonância com as diretrizes operacionais, certamente encontra ressonância no ideário da Educação Matemática Crítica, no qual “questiona-se radicalmente a dicotomia cartesiana sujeito-objeto e adentra-se profundamente na perspectiva Erlebris, o mundo das vivências totais, não reduzidas no ratio”.(idem, p.46). Portanto, ele (o ensino da matemática) deve primeiro perguntar-se sobre como os campesinos e campesinas “compreendem e interpretam o seu meio”, vislumbrando tal questão como “condição incontestável para a construção do conhecimento” matemático.
A partir dessa compreensão e interpretação dever-se-á desenhar um currículo que dialogue com as questões referentes aos processos sócio-culturais.
É interessante pontuar que um currículo democrático, que respeite no culto à dignidade a diversidade política, cultural e linguística, tem de oferecer a possibilidade de que todos os alunos e alunas compreendam a história, tradição e idiossincrasia da própria comunidade, num incessante cultivo à tolerância e a visão crítica face as assincronias. (MACEDO, 2000, p. 87)
“A vida no campo também ensina”. A vida no campo também ensina matemática. Não é difícil de se perceber que o homem/mulher do campo utilizam técnicas de medição, contagem; usam o pensar geométrico, probabilístico na sua relação com a vida, principalmente, na sua relação com o trabalho. O programa Etnomatemática, o qual não significa a negação da matemática acadêmica, trata de incorporar ao ensino da matemática valores da humanidade, sintetizados numa ética do respeito, solidariedade e cooperação.
A etnomatemática privilegia o raciocínio qualitativo. Um enfoque etnomatemático sempre está ligado a uma questão maior, de natureza ambiental ou de produção, e a etnomatemática raramente se apresenta desvinculada de outras manifestações culturais, tais como arte e religião. A etnomatemática se enquadra perfeitamente numa concepção multicultural e holística de educação. (D’AMBRÓSIO, 2005, p.44)
Também encontrei nas discussões de Skovsmose fundamentos relevantes quando esse trata de cenário de aprendizagem, o qual pode ser definido em termos puramente matemáticos; pode ser formulado em termos de referências mais ou menos realistas; pode ser descrito como situações da vida real. Segundo ele,
um cenário de aprendizagem pode levar os alunos a assumir a condução do seu próprio processo de aprendizagem. Isso é importante para a reflexão. Concluí que a reflexão deveria, de maneira bem profunda, abordar o conteúdo de aprendizagem e suas possíveis aplicações relevantes, não esquecendo sua utilidade para o futuro do aluno. Isso não se consegue por meio de atividades impostas. Em vez disso, vejo as intenções dos alunos como parte importante da reflexão. Reflexões sem intenções não têm sentido. (2008, p.65)
Nota-se que tanto os fundamentos do Programa Etnomatemática quanto os de Cenário de Aprendizagem recaem sobre a relação “conhecimento e interesse”, defendida por Habermas. Essa compreensão nos leva a perceber a necessidade de produção de currículos a partir dos interesses dos sujeitos partícipes da práxis pedagógica, e nesse nosso caso partir dos interesses dos sujeitos partícipes da práxis pedagógica nas/das escolas do campo.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O esforço empreendido na tarefa de defender a práxis pedagógica dialógica como caminho plausível para o ensino da matemática nas escolas do campo, em conformidade com as diretrizes operacionais, se apoiou na expectativa não de apresentar um modelo de ensino, mas sim de incitar a reflexão sobre a relevância da relação comunicativa nesse espaço, acreditando que o diálogo pode diminuir o distanciamento entre o conhecimento escolar e o conhecimento cultural, perspectivando uma educação que se dê por via do nexo entre conhecimento e interesse.
Nossa discussão aqui quis justamente chamar à reflexão a importância de fazer da escola um espaço de manifestações de vida; os problemas sócio-economico-cultural-ambiental-comunicativo são também responsabilidade e desafio da educação escolar. Não cabe mais o modelo de fragmentação do saber. É preciso compreender que as partes fazem parte de um todo e que em cada parte há o todo! E que, com essa percepção, a matemática se faz parte, que integra, que se integra; que vislumbra sentido e se faz vital na continuidade da vida na Terra.
Nesse apresentei o que considero relevante para o presente e o futuro do ensino da matemática na realidade campesina.

REFERÊNCIAS
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ARROYO, Miguel; Caldart, Roseli; MOLINA, Mônica. (Orgs.). Por uma educação do campo. Petrópolis: Vozes, 2004.
BENJAMIN, César e CALDART, Roseli Salete. Por uma Educação Básica do Campo: Projeto Popular e Escolas do Campo. V.3. Brasília, DF: Articulação Nacional Por uma Educação Básica do Campo, n. 03, 1999.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O afeto da terra. Campinas: UNICAMP, 1999
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível in http://www.senado.gov.br/legislacao/const/. Acesso em 21/06/2010.
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_______.Lei No. 9.394/96, 20 de dezembro de 1996. Brasília, DF: Casa Civil, 1996.
_______. Brasil. MEC (Ministério da Educação). Programa Escola Ativa - Orientações Pedagógicas para a formação de educadoras e educadores. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Brasília: SECAD/MEC, 2009.
D’AMBRÓSIO, Ubiratan. Etnomatemática: elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1987.
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MEDEIROS, João Bosco. Redação Científica: A prática de fichamentos, resumos, resenhas. São Paulo: Atlas, 2004.
MORIN, Edgar. Os Sete Saberes necessários à Educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2002.
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SKOVSMOSE, Ole e ALRO, Helle. Diálogo e Aprendizagem em Educação Matemática. São Paulo: Autêntica, 2006.
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VELASCO, Marina. Ética do Discurso: Apel ou Habermas? Rio de Janeiro: FAPERJ: Mauad, 2001.
Ao usar este artigo, mantenha os links e faça referência ao autor:
Ensino da Matemática nas Escolas do Campo:: por uma práxis pedagógica dialógica publicado 23/05/2011 por Rosiane Costa de Sousa em http://www.webartigos.com



Fonte: http://www.webartigos.com/articles/66863/1/Ensino-da-Matematica-nas-Escolas-do-Campo-por-uma-praxis-pedagogica-dialogica/pagina1.html#ixzz1OXqZPVM1

Claudia Molinari defende a diversidade no avanço de classes multisseriadas

Entrevista com a educadora Claudia Molinari: Pesquisadora argentina afirma que todos podem aprender em turmas que reúnem estudantes de diversas idades e níveis de conhecimento

CLAUDIA MOLINARI "É preciso imaginar as diferentes situações e a melhor maneira de aproveitar a diversidade em cada uma delas". Foto: Rodrigo Erib.

Uma das características da Educação feita em regiões rurais é a organização da turma em classes multisseriadas. Por causa das grandes distâncias entre as propriedades e do baixo número de crianças em cada ciclo ou série, é comum encontrar as que estão em fase de alfabetização estudando com quem já sabe ler e escrever - e todos sob a orientação de um só professor.

Geralmente, a diversidade de faixas etárias, de maturidade e de níveis de conhecimento é apontada como razão para o alto índice de fracasso escolar dos que moram no campo. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios divulgada em setembro do ano passado mostram que a taxa de analfabetismo das pessoas com mais de 15 anos no campo é três vezes maior do que na cidade. Atualmente, esse índice é de 7,6% nas regiões urbanas e 23,3% nas rurais.

Contudo, um programa de formação de professores desenvolvido na província de Buenos Aires - envolvendo docentes e estudantes de Pedagogia, inspetores de ensino e professores de 26 escolas rurais – mostrou que é possível conseguir bons índices de aprendizado nessas condições quando são desenvolvidos projetos ou sequências didáticas que explorem a interação a favor do ensino. Claudia Molinari, professora de Ciência da Educação da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina, e uma das coordenadoras do projeto, fala sobre o trabalho.

Muitos professores que lecionam em escolas rurais acreditam que a presença de alunos de várias faixas etárias e com níveis de conhecimento diferentes dificulta o aprendizado. Isso realmente acontece? CLAUDIA MOLINARI  Apesar de a diversidade estar presente em qualquergrupo, na escola rural ela chama muito mais a atenção por concentrar no mesmo espaço – e ao mesmo tempo – crianças de idades muito díspares, da Educação Infantil aos últimos anos do Ensino Fundamental. E, geralmente, o professor não tem um auxiliar trabalhando com ele. A responsabilização da multisseriação pelo fracasso escolar nessas turmas sempre aparece no discurso dos professores. Eles veem nisso um problema que prejudica principalmente o ensino dos menores – os que demandam mais atenção –, mas que também dificulta o dos maiores, que acabam não tendo tarefas ou atividades específicas que osajudem a progredir.

Qual é a principal dificuldade enfrentada pelos que lecionam em classes multisseriadas?CLAUDIA  O maior problema é organizar o tempo didático. Quando se deparam com crianças de várias séries ou ciclos, com diferentes necessidades de aprendizagem, dividindo o mesmo espaço e a atenção deles, os docentes pensam que a solução é fazer planejamentos distintos para cada grupo. Porém essa nunca foi uma estratégia eficiente, pois o professor, durante a aula, precisa correr de um lado para o outro tentando atender a todos e, obviamente, ele não dá conta de acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos. Se tiver de optar por dar mais atenção a um determinado grupo, certamente se dedicará aos que estão em fase de alfabetização, deixando os outros com atividades fáceis de executar para o nível deles – não demandando a intervenção docente –, o que não lhes propicia a construção de conhecimento.

Dedicar tempos iguais para os diferentes grupos seria uma solução mais adequada nesses casos? CLAUDIA  Também não. Alguns professores acham que estão sendo justos quando reservam, por exemplo, meia hora ou outra fração qualquer de tempo para cada agrupamento. Porém nem assim eles conseguem dar um bom atendimento, já que cada um pede um tipo de intervenção. Outros ainda têm a iniciativa de propor tarefas coletivas. Sem dúvida, essa é uma maneira mais interessante do que desenvolver atividades separadas, mas também fica mais fácil cair na armadilha de achar que todos estão envolvidos, quando, na verdade, a mesma proposta pode ser adequada para uns, muito fácil para alguns e difícil demais para outros. Com isso, os alunos deixam de enfrentar situações específicas que estejam de acordo com seus saberes e com os desafios que precisam enfrentar para progredir.

O que o programa elaborado para a capacitação dos educadores rurais da província de Buenos Aires propôs para resolver o problema da organização do tempo e da diversidade?
CLAUDIA  A interação entre alunos de diferentes níveis, antes considerada um obstáculo, transformou-se em vantagem pedagógica. Elaboramos um projeto didático totalmente baseado nesse princípio. E deu certo nas 26 escolas que participaram do curso de formação. Hoje sabe- se, por meio de várias pesquisas realizadas na área da Psicologia Social, que o trabalho com os pares é favorável à aprendizagem. Pesquisas conduzidas pela educadora Mirta Castedo, também da Universidade de La Plata, atestam a eficiência dos grupos. Neles, as crianças sempre apresentam desempenhos cognitivos superiores aos que mostrariam se realizassem as mesmas tarefas individualmente. E isso é verdade tanto para as mais avançadas como para as que têm algum tipo de dificuldade, para as mais velhas e para as mais novas.

As vantagens dessa organização também aparecem em turmas que estão no início da escolaridade, em que o principal objetivo do professor é promover a alfabetização?
CLAUDIA  Com certeza. A pesquisadora argentina Ana Teberosky, responsável junto com Emilia Ferreiro pelas pesquisas pioneiras sobre a psicogênese da língua escrita, analisou a maneira como os pequenos da Educação Infantil com o mesmo nível de conhecimento realizam diversos intercâmbios em atividades relacionadas à escrita. Ainda que ninguém em um determinado grupo saiba ler e escrever convencionalmente, todos se ajudam, não só permitindo mas também facilitando a socialização dos conhecimentos. Dessa forma, cria-se um ambiente favorável à aprendizagem.

Qual foi o objetivo didático do projeto desenvolvido com escolas rurais da província de Buenos Aires?
CLAUDIA 
Nosso objetivo foi fazer com que os alunos de diversas idades aprendessem a ler e a escrever em contextos de estudo. Optamos por tratar de animais em vias de extinção, mas poderíamos ter abordado qualquer outro assunto. Os estudantes tinham de produzir um texto que divulgasse o resultado dos trabalhos. Decidiu-se pela elaboração de uma enciclopédia como produto final. As crianças escolheram os destinatários: os leitores seriam os futuros estudantes da escola, colegas de outras unidades rurais e usuários da biblioteca escolar. Nos acordos feitos, os menores de 1º e 2º anos ficaram responsáveis por escrever as epígrafes, os do 3º ao 5º fizeram os textos sobre os bichos e os de 6º e 7º, a apresentação do problema relativo à ameaça de extinção de animais do nosso planeta. Juntos, todos elaborariam a página de introdução da enciclopédia. Tínhamos um só planejamento, no qual foram previstas tarefas individuais, coletivas e em grupos, menores ou maiores, que estavam sempre se alternando. Esses últimos poderiam se organizar por ciclo (ou série, de acordo com a escola) ou por níveis de conhecimento, parecidos ou não, dependendo dos objetivos de cada etapa.

Em que momentos os alunos trabalharam juntos? CLAUDIA  A turma toda participava do planejamento, dos registros em cartazes das tarefas e dos compromissos assumidos, das exposições feitas pelo professor, das discussões sobre vídeos e materiais selecionados e das decisões sobre as fontes a serem consultadas e as informações para a edição do texto final da enciclopédia. Houve também momentos em que os menores contaram aos maiores o que haviam descoberto durante a pesquisa e vice-versa. Os mais velhos, por sua vez, ouviram os colegas, leram em voz alta todo o material para os pequenos, comentaram e avaliaram com eles a pertinência das informações encontradas de acordo com o objetivo do projeto.

Quais os critérios usados para a formação de grupos? CLAUDIA  Em algumas ocasiões foi interessante juntar alunos em diferentes fases de aprendizagem, nas quais um ajudava o outro a avançar em um determinado aspecto. Noutras, era mais conveniente que crianças com grau de conhecimento equivalente da língua estivessem envolvidas na mesma tarefa para que levantassem hipóteses e discutissem sobre elas sem a presença de um membro que já tivesse se apropriado do modelo convencional de escrita. O agrupamento com crianças do mesmo nível também foi usado nos momentos em que o professor precisava intensificar o ensino de um aspecto específico, como a elaboração de notas sobre os aspectos mais relevantes dos textos lidos e a revisão conjunta dos escritos. Sozinhos, os estudantes leram parte do material de pesquisa, fizeram anotações sobre o tema e elaboraram os primeiros textos, que posteriormente foram compartilhados com toda a turma.

Como é a atuação do professor em projetos como esses? CLAUDIA  É ele quem organiza e agenda os combinados para que os trabalhos avancem – o que não significa que eles não possam ser revistos pela turma, com progressiva autonomia durante o decorrer do tempo. Ele também lê, escreve, comenta ou expõe para os alunos, planeja atividades com propósitos claros para cada etapa e cuida para que haja à disposição uma diversidade de fontes de pesquisa. Além do mais, cabe ao docente organizar a classe da forma mais interessante para atingir as metas, optando por sugerir tarefas individuais, coletivas ou em grupos. É importante também ele atuar no sentido de coordenar o intercâmbio de significados que são construídos no decorrer das atividades, compartilhar as decisões sobre os conteúdos e revisar as produções.

Qual foi a principal dificuldade encontrada ao sugerir esse projeto para classes multisseriadas? CLAUDIA  O primeiro obstáculo foi romper com a prática habitual de sala de aula. Os professores tinham consciência de que os resultados não apareciam com a prática que mantinham até então. Mesmo assim, sempre existe uma resistência natural à mudança. Certamente, o uso de projetos como o que elaboramos requer um planejamento mais detalhado e difícil, pois é preciso imaginar as diferentes situações e a melhor maneira de aproveitar a diversidade em cada uma delas. Porém tudo muda quando os docentes percebem que a aula se torna menos desgastante para eles e mais aproveitável para todos. Tivemos ainda de fazer esforços para acabar com ideias como a da fragmentação dos conteúdos, o que não pode acontecer em projetos didáticos.

Essa forma de organizar a classe e usar a heterogeneidade e a interação a favor do ensino pode ser usada em qualquer disciplina? CLAUDIA  Dá para ensinar a ler e a escrever com conteúdos de Ciências Naturais, Ciências Sociais ou de qualquer outra matéria. Também é possível ter outros objetivos e produtos finais relacionados a qualquer área do saber.

Muitas vezes os professores de escolas rurais não se animam em fazer projetos didáticos por não ter uma comunidade ao redor para compartilhar o produto final. Como é possível romper com esse isolamento? CLAUDIA  Especificamente no projeto que desenvolvemos, a interação entre escolas foi facilitada pelo contato que os professores estabeleceram durante a formação. Mas uma das coisas que eles aprenderam foi a possibilidade de criar situações didáticas que acabem com o trabalho solitário. Para isso, pensou-se no uso de diferentes mídias, que conseguem atingir até os destinatários mais distantes. As escolas que trabalharam conosco no programa de formação produziram material impresso, pois as unidades que participaram do programa tinham computador, mas não acesso à internet. Porém é possível também fazer gravações em áudio e vídeo para serem enviadas pelo correio ou eletronicamente quando houver esse recurso.
 
 
Entrevista extraída do site:

História do Assentamento Vila Boa Esperança, no Município de Valença-Ba: uma leitura memorial e simbólica

Colocar em evidência a história do Assentamento Vila Boa Esperança é uma tentativa de lançar esclarecimentos sobre os significados dessas ocupações para os que lutam por um “palmo de terra” na esperança de viver com mais dignidade. Dignidade que presenciamos na postura desses assentados que entrevistamos. E, ao mesmo tempo, tecer esclarecimentos sobre as implicações para a própria saúde da sociedade.
Lidos, através das lentes da mídia, os assentados são, quase sempre, mal interpretados. Sabemos da existência daqueles que se aproveitam para levar vantagens, que acaba impactando na imagem dos movimentos daqueles que lutam por terra. Por meio de entrevistas pudemos perceber o significado da luta pela terra para os(as) assentados(as) que participaram do período de ocupação. Olhar para trás e perceber que o objetivo da conquista da propriedade foi alcançado dá a esses homens e mulheres uma alegria, o sentimento de vitória.
Nossas andanças no Assentamento nos possibilitaram capturar imagens e narrativas que nos forneceram material para a produção deste texto. Entender a história do assentamento de dentro do contexto, a partir dos próprios atores e autores, desses pioneiros, que não só planejaram, mas que foram lá e ocuparam a terra, sendo firmes nessa luta da conquista de um “palmo de terra”, como também de pessoas que contribuíram diretamente com o assentamento, como o Pe. Edgar, profa. Salete, dentre outras, foi uma experiência bastante significativa. As narrativas foram sendo construídas ao passo que procurávamos fazer emergir as lembranças dos acontecimentos que marcaram a vida dessas pessoas nesse construto histórico-social.
Para materialização dessa pesquisa optamos pela metodologia da história oral, por acreditar que a mesma nos permitiria mapear, através de uma análise das falas de atores - protagonistas do Vila Boa Esperança - os sinais memoriais necessários para a tessitura da escrita da história desse assentamento. Destacamos nesse itinerário, categorias de análise – tempo calendário, geração e sinal, ao lado das categorias meta-históricas - espaço de experiência e horizonte de expectativa, no intuito de alargar a compreensão da história da formação desse assentamento.
1 Da História do Assentamento Vila Boa Esperança
São duas décadas de história, sem registro escrito, que dizem do Assentamento Vila Boa Esperança. Uma ação concatenada com a Reforma Agrária do nosso País.
“A Lei que regula a Reforma agrária no Brasil é a Lei 8.629 de 1993. Segundo consta nos seus artigos, as pequenas e médias propriedades não podem ser desapropriadas para a Reforma Agrária, desde que seu respectivo proprietário não detenha outro imóvel rural” (LEITE& ÁVILA, 2007, p17)

Começado “com muita luta e muita vontade de querer um palmo de terra” – como nos diz o assentado Edvaldo -, o Assentamento Vila Boa Esperança, localizado no Município de Valença, se insere no contexto da Reforma Agrária. Em 1988 se dá a ocupação da Fazenda Santa Luzia por um grupo de pessoas que denunciaram o não cumprimento da função social desse imóvel, como reza a constituição brasileira vigente:
compete à União desapropriar por interesse social, para fins de Reforma Agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.(...) A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado; utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; observância das disposições que regulam as relações de trabalho; exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. (LEITE& ÁVILA, 2007, p16)

Verificado este não cumprimento de função social deste imóvel rural, A Fazenda Santa Luzia, em 1991 é feita a desapropriação. O processo histórico do Assentamento Vila Boa Esperança é marcado pela dinâmica de ocupação e desapropriação da terra privada. O Assentamento, cuja história perfaz cerca de 23 anos, considerando desde o período de ocupação, é fruto de processos de organização coletiva com participação da igreja Católica conferida pós pedido de apoio de membros desse coletivo.
A história da Vila Boa Esperança nasce, precisamente, aqui na garagem onde eu recebi vocês, então um dia eu estava aqui, aí (...) alguém bate aí no cadeado, eu fui atender, eram 3 pessoas que vieram conversar comigo: Edinho, Carminho(é imprescindível nesta história) e Ioiô; na verdade, para me comunicar, então, eles não vieram nem para me consultar, nem para pedir que a Igreja queria tomar conta desta luta. Eles já vieram com uma decisão pronta e de uma reunião feita previamente, dizendo que Eles tinham conhecimento de uma teoria devoluta; e eles sabiam que era propriedade particular, mas que eles, em resumo, (...) estavam decididos a ocupar. E se podiam contar conosco em termo de apoio; aí entra toda a concepção política nossa, concepção eclesial, o momento histórico, que isso aí fazia parte do processo, a formatação da gente. Aí a gente disse pra ele que o que dependesse da gente podia contar com o nosso apoio. (Pe. EDGAR, ENTREVISTA, 19/02/2011)

O processo de ocupação dos hoje assentados da Vila Boa esperança não foi fácil. A conquista por esse “palmo de terra” implicou em momentos de fome, de insegurança, de medo. Muitos ficaram no caminho. “Muitos companheiros desistiram depois que ameaçaram eles de morte, aí ficaram com medo de morrer”.(EDVALDO, ENTREVISTA, 06/02/2011)
Uma vez um pistoleiro cercou a gente nos bambus, o meu coração doeu. Pensei que ali eu ia morrer, aí parei e chamei o pessoal: - vamos voltar que por aí não vou mais não. Um senhor por nome Matheus, ele me chamava de meu chefe, falou o seguinte: oh, meu chefe eu não nasci para andar no mato. Aí eu falei: - se o senhor quiser me entender vá pela minha experiência que o senhor não se dá mal.

“Nós fizemos barracos de lona, pra gente foi dificílimo. Dormia um grupo ali até meia noite e depois acordava para os outros dormirem, e os cachorros soltos para fazer a segurança”. (EDVALDO, ENTREVISTA, 06/02/2011)
Tinha um rapaz que trabalhava numa fazenda vizinha, chamado Bilú (ele trabalhava no sul da Bahia) e o que ele usava eu usava também, era um chapéu de cowboy e uma bota, aí o rapaz veio um dia e meteram dezesseis tiros no rapaz e era para mim naquele dia, mas não chegou a hora. Deus não quis. (IDEM, IBIDEM)

Esta é uma das muitas passagens da entrevista de sr. Edvaldo que é lembrada por D. Maria. Existe ali uma memória comum. Lembranças que têm um significado, uma marca para aquele que lembra, têm um conteúdo simbólico, que define o espaço, os quadros sociais da memória. (HALBWACHS, 1990)
Ressalve-se que a Igreja católica vai dar um grande apoio ao grupo, representada principalmente pelos padres, Edgar e Lino, e uma freira. Por meio dessa freira eles passam a receber ajuda da Itália. É através dessas pessoas que o Assentamento vai conquistar pela primeira vez a Escola Comunitária Antonio Conselheiro, a Casa de farinha, o Roldão, o Posto de Saúde, Sistema de água encanada. Como salienta o pe. Edgar em entrevista, “têm coisas que vão desmoronando”.
Nas entrevistas realizadas fora observado que apesar das dificuldades que eles enfrentam no dia-a-dia, a exemplo de acesso à escola, existe uma melhoria das condições de vida. D. Maria (ENTREVISTA, 10/02/2011) relata que o assentamento “é muito bom porque antes não tinha onde morar, porém, hoje, é dona de uma propriedade que ela tem muito amor e carinho pela terra – lugar que pediu muito a Deus pra morar e criar seus filhos”.
Entendemos, assim, a Reforma Agrária, política redistributiva, como uma ferramenta para a redução da desigualdade social em nosso país. Basta elencarmos algumas boas razões para a distribuição dos ativos fundiários para entendermos a sua importância: melhor aproveitamento das terras, já que estamos tratando de terras que se encontravam em condição de não produtivas; oportunidades de trabalho, com ênfase na agricultura familiar; produção própria de alimentos.
A produção própria de alimentos e a garantia de emprego em sua própria terra reduzem a possibilidade de que os agricultores familiares sofram de fome ou desemprego, evidenciando, assim, o papel estratégico do autoconsumo, ou seja, o uso da produção local para o consumo familiar e, também, para ração animal.(LEITE, 2004, p. 61)

Nas visitas que realizamos observamos crianças subindo em árvores para tirar frutas e se alimentar. Acreditamos ser difícil ficar de “barriga vazia” neste território. Coco, banana, jambo, jaca, foram frutas saboreadas também por nós. Ali se produz farinha, tem aipim, dendê, fruta-pão, cacau, e muito mais. Quem dera todas as crianças deste nosso país pudessem aventurar-se a subir num jambeiro para receber dele deliciosos jambos. Infelizmente, muitos desses pequeninos e pequeninas precisam (des)aventurar-se em lixões para deles tentar extrair sua sobrevivência.
A vida no campo sob as lentes da vida citadina pode parecer monótona, sem movimento, sem oportunidades, mas só quem nele/dele vive pode expressar os sentidos que são construídos na dinâmica da relação com a natureza. Muitos jovens, devido às experiências que têm, sobretudo, no período que precisam ir estudar na cidade, passam a vislumbrar uma vida fora do assentamento. Os assentados que foram entrevistados disseram que alguns jovens estão trabalhando na cidade. Eles passam a se relacionar com o assentamento como se esse fosse um bairro; acordam cedo e vão trabalhar na cidade. Isso se deve também devido a proximidade desse assentamento à zona urbana. Na entrevista realizada no dia 24/02/2011 os assentados Floriano e Benedito, afirmaram que “a juventude tem vergonha de dizer que mora no assentamento, porque acham que os nativos são ‘roceiros’”.

2 Sinais memoriais: da imbricação entre história e memória
Para Ricoeur (apud DOSSE, 2204, p. 151) os sinais memoriais são classificados em corticais, psíquicos e materiais. Cabe ressaltar que essa terceira dimensão da memória nos coloca, segundo Dosse, no campo da investigação histórica. Essas dimensões, “constituem, portanto, sozinhas, a inevitável imbricação da história e da memória, revelada por sinal na expressão de Carlo Ginzburg de um paradigma “indiciário” do qual dependeria a história, oposto ao paradigma “galileano””. Dentre os sinais memoriais encontrados no percurso dessa pesquisa, os materiais que nos chamam a atenção são: O chafariz, a casa de farinha, a escola.
Essas ruínas são símbolos vivos de uma história; cada uma delas conta um pouco dessa luta fundamentada na esperança e na coragem. Esperança e coragem de um povo que tomando consciência de seu estar no mundo, vai buscar o que pode ser seu por direito. São marcas que com o tempo podem deixar de existir, por isso, defendemos a necessidade da escrita histórica desse assentamento.
As pessoas-memória que participaram desde a organização do grupo para a ocupação, até a conquista da terra morrerão e levarão com elas suas lembranças. Quem dirá com conhecimento de causa como se deu a existência do Assentamento Vila Boa esperança? Talvez seus filhos e netos se interessem em ouvir de seus pais essa história, talvez eles continuem ali, assentados e assentadas.
Mesmo que elas continuem e conheçam e passem para as gerações subsequentes, mesmo assim consideramos mais seguro o registro escrito, inclusive para que seja trabalhada na Escola do Assentamento.

3 A Escola e o Assentamento: uma relação a ser redefinida
Dentre os aspectos que nos propusemos a analisar está a Escola. Segundo informação cedida pela própria Secretaria de Educação ainda não há uma proposta que atenda às especificidades dos(as) alunos(as) assentados(as). É válido ressaltar que a escola é multisseriada e atualmente é vista como uma escola de zona urbana. Hoje é considerada extensão da Escola Municipal Samuel do Vale Lacerda, apesar de ser registrada no MEC como escola comunitária. Conta com o recurso do PDE e contribuições da Prefeitura Municipal de Valença.
A escola era totalmente comunitária, com um envolvimento enorme entre ela e as famílias, a tal ponto das festividades serem direcionadas aos domingos para que as famílias participassem. Tudo que fosse realizado pela escola tinha que ter a aprovação da família. Além disso, existia uma união entre educadora, família, alunos e os trabalhadores. (In: Relato de Pesquisa )

A Escola Comunitária Antônio Conselheiro nasce sob a concepção de Educação Popular, assim como as demais escolas comunitárias destacadas pelo Pe. Edgar. Ele ressalva que a pedagogia freireana vai embasar a prática pedagógica nessas escolas. A professora Salete por ser envolvida com movimentos sociais e de Igreja foi convidada pelo Pe. Edgar para lecionar na Escola Comunitária Antônio Conselheiro.
Observamos que a proposta curricular precisa abrir espaço para a cultura dos próprios alunos.
A cultura dominante nas salas de aula é a que corresponde à visão de determinados grupos sociais: nos conteúdos escolares e nos textos aparecem poucas vezes a cultura popular, as subculturas dos jovens, as contribuições das mulheres à sociedade, as formas de vida rurais e de povos desfavorecidos (exceto como elementos de exotismo), o problema da fome, do desemprego ou dos maus tratos, o racismo e a xenofobia, as consequências dos consumismo e muitos outros problemas que parecem “incômodos”. (SACRISTÁN, p.97)

No primeiro contato com o Assentamento cujo interesse era o de conhecer a história daquele assentamento, por meio da memória individual e coletiva, fotografias, vídeos, ruínas e outras que porventura surgissem, ali mesmo no bate-papo com algumas pessoas do assentamento, reforçamos o desejo da produção de materiais didáticos que pudessem tratar de raízes, de conquistas, de esperança, de militância. Acreditamos que
a escola precisa ajudar a enraizar as pessoas em sua cultura: que pode ser transformada, recriada a partir da interação com outras culturas, mas que precisa ser conservada; porque nem é possível fazer formação humana sem trabalhar com raízes e vínculos; porque sem identificar raízes não há como ter projetos. Isto quer dizer que a escola precisa trabalhar com a memória do grupo e com suas raízes culturais; e isto quer dizer também que se deve ter uma intencionalidade específica na resistência à imposição de padrões culturais alienígenas, no combate à dominação cultural e na reconstrução crítica de suas próprias tradições culturais. (CALDART)

Os materiais pedagógicos são considerados por Sacristán como currículo semi-elaborado, como “uma elaboração intermediária entre o currículo formal e currículo real”.
A ideia de currículo real nos levaria a analisar a linguagem dos professores, os exemplos que utilizam, suas atitudes para com as minorias ou culturas, as relações sociais entre alunos, as formas de agrupá-los, as práticas de jogo e brinquedo fora da sala de aula, os estereótipos que são transmitidos através dos livros, aquilo que é exigido na avaliação. (p.87)
Nesse sentido, julgamos que é indispensável trabalhar em duas direções: criar materiais específicos para objetivos concretos e “revisar o conteúdo, os exemplos, as ilustrações, etc., dos materiais existentes, já que eles costumam ser fonte de visões demasiadamente etnocêntricas e desvalorizadoras da experiência cultural de outros grupos.” (SACRISTÁN, p.89).
Cabe ressaltar que uma das estratégias do Plano Nacional de Educação(2011-2020) é “Manter programa nacional de reestruturação e aquisição de equipamentos para escolas do campo, bem como de produção de material didático e de formação de professores para a educação do campo, com especial atenção às classes multisseriadas”. Acreditamos que a partir do conhecimento da história desse Assentamento consigamos produzir alguns materiais, a exemplo de “histórias infantis”, passatempos (palavras-cruzadas e caça-palavras), atividades diversas, configurando o livro didático. Estamos trabalhando no projeto de extensão que tornará real essa proposta na Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação - Campus XV - Valença/BA.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observamos nas entrevistas realizadas com os assentados que as primeiras memórias focaram eventos e experiências que o grupo de ocupação vivenciou.
Não há como não perceber que a proximidade com a cidade trata-se de uma “via de mão dupla”. Se por um lado facilita o comércio, o acesso aos insumos e bens de capital, por outro, representa um problema na construção da identidade de assentado das crianças e jovens. A dissolução das manifestações culturais, das festas populares e religiosas, implicou numa reestruturação do Assentamento. É preciso (re)ver as possibilidades de afirmação dessa identidade, do sentimento de pertencimento no intuito de evitar o esfacelamento de uma história tão marcante e cheia de sentido no contexto da história do nosso País.
Nossas idas ao assentamento nos aguçaram curiosidades. Percebemos, através de nossas observações e escuta de depoimentos dos assentados, que o poder público até então tem uma participação bastante tímida. Acreditamos que a Associação precisa se fortalecer com os seus e, por meio do “aprendizado organizativo”, exigir do poder público uma participação mais efetiva. Para começar, a sugestão que fica é a de (re)visitar a própria história do assentamento e definir as necessidades prementes no rumo do fortalecimento da identidade de assentado e assentada.

REFERÊNCIAS
ALVES, Gilberto Luiz. Educação do Campo: recortes no tempo e no espaço. Campinas, SP: Autores Associados, 2009.
ARROYO, Miguel e Fernandes, B.M. (1999). A Educação Básica e o Movimento Social do Campo. Articulação Nacional Por uma Educação Básica do Campo. São Paulo.
_______________; Caldart, Roseli; MOLINA, Mônica. (Orgs.). Por uma educação do campo. Petrópolis: Vozes, 2004.
CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra: escola é mais do que escola. Petrópolis, Rio de Janeiro; Vozes, 2000.
FUNDAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO E PESQUISA. Coragem de educar: uma proposta de educação popular para o meio rural. 2. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
GOMES, Nilma Lino. Diversidade e Currículo. In: BRASIL. Indagações sobre Currículo. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Básica, 2008.
HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003.
LEITE, Sérgio Pereira. Um futuro para o campo: reforma agrária e desenvolvimento social. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2007
SACRISTÁN, J. Gimeno. Currículo e Diversidade Cultural. In: SILVA, Tomaz Tadeu da Silva; MOREIRA, Antonio Flávio (orgs.). Territórios Contestados: O currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
SPEYER, Anne Marie. Educação e Campesinato: uma educação para o homem do meio rural. São Paulo: Loyola, 1983.
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História do Assentamento Vila Boa Esperança, no Município de Valença-Ba: uma leitura memorial e simbólica publicado 25/05/2011 por Rosiane Costa de Sousa em http://www.webartigos.com

Fonte: http://www.webartigos.com/articles/67036/1/Historia-do-Assentamento-Vila-Boa-Esperanca-no-Municipio-de-Valenca-Ba-uma-leitura-memorial-e-simbolica-/pagina1.html#ixzz1OXmLYxfu